Em linguagem popular, o adjetivo ordinário pode significar algo ou alguém sem classe, sem qualidade. No vernáculo, significa ordem, normalidade, regularidade. Daí as leis comuns serem chamadas leis ordinárias. A Constituição Federal diz: “Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: I – emendas à Constituição; II – leis complementares; III – leis ordinárias; IV – leis delegadas; V – medidas provisórias; VI – decretos legislativos; VII – resoluções”. A ordem dos incisos determina a hierarquia decrescente dos normativos especificados.
Leis comuns são ordinárias, porque criam ordem e normalidade. Leis complementares são aquelas que minudenciam, detalham e explicitam a Constituição, nos casos por ela própria determinados. Hierarquicamente inferior, lei ordinária não pode modificar lei complementar. Assim, embora a Lei Ordinária 13.097/2015 seja ulterior à Lei Complementar (LC) 118/2005, ela não pode anular ou modificar dispositivos desta. Por isso a Lei Ordinária 13.097/15 perde relevância frente à Lei Complementar 118/05. Ou seja, é boa, mas não o suficiente!
O art. 54 da Lei 13.097, aperfeiçoado pela Lei 14.382/2022 (concentração dos registros públicos) causou euforia no mercado. Em sucinta explicação, ele preceitua que a venda imobiliária é eficaz contra qualquer ato jurídico anterior não registrado na matrícula. O art. 54 dispensa a batelada de certidões que garantia a eficácia das operações. O TRF-4 diz que, feitas as averiguações cabíveis, não há de se presumir má-fé; o negócio é considerado perfeito. Não é razoável exigir que todos os ex-proprietários, a partir da LC 118/05, apresentem certidões negativas.
Mas o art. 185 da LC 118/05 (não revogado pela lei 13.097/15) diz que: “Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa”. Isto é: qualquer débito tributário – federal, estadual, ou municipal – inscrito em dívida ativa, ainda que sem execução judicial, impede a transmissão de bens imóveis do devedor, ou permite o seu desfazimento por via judicial, por presunção legal de fraude à execução.
Pois bem! O ministro Benedito Gonçalves, da 1ª Turma do STJ, no REsp nº 1.141.990, esclareceu que: “Não há por que se averiguar a eventual boa-fé do adquirente, se ocorrida a hipótese legal caracterizadora da fraude, a qual só pode ser excepcionada no caso de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita”. A hipótese legal a que ele se refere é a simples inscrição de débito tributário em dívida ativa. Não importa a boa-fé do adquirente, o que prevalece é a presunção absoluta de fraude à execução.
O entendimento se aplica também à hipótese de alienações sucessivas, feitas após a inscrição do débito em dívida ativa. Não é necessário comprovar a má-fé do adquirente, desde que a transação tenha ocorrido após o advento da LC 118, em 09 de fevereiro de 2005, mais de 18 anos atrás. A solução é acionarmos o Legislativo para revogação do dispositivo legal, por meio de uma nova LC. Por enquanto, não há como descartar as certidões de débitos junto às fazendas federal, estadual e municipal de cada um dos sucessivos proprietários. Infelizmente!
João Teodoro da Silva
Presidente – Sistema Cofeci-Creci – 22/JUL/2023